quarta-feira, 27 de julho de 2011

A criada - parte III

Nessa manhã, após ter saído daquele bar nojento, deixando lá a minha roupa interior e a minha integridade (a que ainda me restava), vagueei pela rua. Era dia de mercado e as quelhas e quelhazinhas estavam cheias de pessoas, nas suas compras, a viver o seu dia-a-dia, ignorantes do que se passara na noite anterior.
Tinha tanta fome... Tanta fome... Se eu pegasse numa fruta ou duas...Ou três! Ninguém daria conta... Está aqui tanta gente. Aproximei-me de uma banca e tirei duas maçãs... Guardei-as dentro da camisola e apressei o passo... De repente ouço um grito histérico:
- LADRA! LADRA! VAGABUNDA! POLÍCIA! APANHEM-NA!
Comecei a correr mas poucos segundos depois fui literalmente atirada ao chão, com uma força enorme, por dois polícias matulões. Começaram a bater-me com a força toda que tinham. Eu encolhi-me e comecei a gritar e a chorar. Cada vez mais ficava engasgada no meu choro. Olhei em redor e via as pessoas a rirem-se na minha cara... E cuspiam-me. Cuspiam-me como se eu fosse um monstro. Não tinham noção do que eu tinha passado. Mas a verdade é esta: andam por aí muitos criminosos de fato, a arrecadar muito dinheiro ou a andar na rua como se nada fosse. E no entanto eu, que tanto sofri durante estes anos todos é que sou a aberração. Os seres humanos conseguem ser muito cruéis.
Aos poucos e poucos tudo começou a ficar lento e a minha visão turvou... Passados uns minutos, ou segundos? Nem sei... Tudo ficou escuro e eu deixei de sentir a dor das vergastadas de que incansavelmente continuava a ser alvo. 
Quando acordei estava algemada a uma cadeira...numa sala de interrogatórios... A ironia. Não fui presa porque matei dois homens, mas fui porque roubei duas maçãs!
Entrou um homem na sala, com um fato e uma mala preta e sentou-se. Tinha ar de corrupto. Abriu a mala, tirou um monte de papéis, ajeitou-os com toda a calma do mundo, e olhou para mim.
- Como te chamas querida?
- Sofia, acho eu...
- Quantos anos tens?
- Não sei... - Não sabia mesmo. Tudo em mim parecia mentira.
- Estás a armar-te em espertinha não é?  Pois bem, "Sofia" (pronunciou ele o meu nome, cheio de escárnio), sabes porque é que vais presa?
- Sim sei. Porque matei o meu patrão...Quer dizer...Ex Patrão! E o meu pai. Ou deveria dizer o meu falecido pai? Ah. E porque roubei duas maçãs.
O homem olhou para mim, com um ar de espanto. Levantou-se e saiu. Voltou passado umas horas.
- Tens moradas? Uma confissão?
Acenei com a cabeça afirmativamente. Ele passou-me um papel e uma caneta e eu escrevi duas moradas.
Foi confirmado. Numa das moradas encontraram um homem esfaqueado trinta e oito vezes, envolto em sangue. Ao lado dele viram uma quantidade enorme de cerveja. Na outra morada encontraram um homem, nu, deitado numa banheira com água encarnada, com a cabeça aberta na parte de trás. A casa tinha sido completamente remexida. Todas as jóias e o dinheiro tinham desaparecido. Eu não toquei em nada. Tanto a esposa como o filho do casal desapareceram... Assim como as jóias e o dinheiro. Somem um mais um...
O homem ficou lá. Nem uma ambulância chamaram. Acredito que lhes tenha feito um favor até.
Fui acusada e culpada de duplo homicídio qualificado e de roubo. Fui atirada para um cela, com dezoito anos acabadinhos de fazer. Uma casa de "Requalificação Social para Mulheres", que é como quem diz uma casa mista: abrigo a putas, loucas e assassinas. Que giro...Eu conseguia arrecadar os três títulos!
Isolei-me completamente. Estava aterrorizada. Passado nem uma semana fui considerada louca e mandada para um hospício.
Só via branco à minha volta. As paredes eram brancas. As camas eram brancas. Os móveis estavam todos pintados de branco. As batas das enfermeiras eram brancas. A minha roupa branca. Até os comprimidos eram brancos!
Ao meu lado via uma diversidade de personalidades enorme. Tinha mulheres que tremiam por todos os lados...Possivelmente drogadas... Ou loucas. Outras abanavam-se constantemente nas cadeiras... Loucas. Haviam ainda umas que gritavam e eram alvo de uma chuva de agulhas carregadas de tranquilizantes... Loucas. Depois tínhamos aquelas que olhavam para todo o lado com ar paranóico! Assassinas. Ou loucas.
Encharcaram-me de remédios. Tomava de tudo... Calmantes principalmente...Faziam-me dormir a maior parte do dia. Pelo menos não sonhava...não pensava...não vivia...Estava bem.
Até que decidi que bastava. Queria viver. Queria sair dali. Tinha de sair dali.
E tinha um plano.

2 comentários:

  1. Tenho seguido o teu blog! Não costumo comentar, peço desculpa por isso...
    Desejo que continues a escrever.
    visita o meu blog se quiseres http://pequeninosartistas.blogspot.com

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