quarta-feira, 2 de maio de 2012

Serva da noite

Estou perdida nos meus pensamentos, afogada pelas minhas mágoas, nos mares da minha tristeza. Sou uma serva da noite. Vivo dentro da minha cabeça, ignorando o mundo real. Estou tão empenhada em reviver as minhas memórias que deixei de conseguir distinguir o presente do passado. Mas não me importo.
Lembro-me de quem eu fui. Uma autêntica rainha do mal. Sentava-me ao lado direito do senhor dos mortos, e com ele dividia o leito negro. Ele apoderava-se do meu corpo, de forma intensa e apaixonada. E, no entanto, os meus olhos pareciam ainda mais mortos que os dele... O seu corpo nu, encostado ao meu, apenas me fazia sentir mais vazia, ainda que os seus braços me envolvessem por inteiro. Mas estava tudo bem, porque somente a ele eu pertencia. 
Tenho um vazio do tamanho do mundo na minha alma, talvez o medo do futuro, talvez a ânsia pelo que há de vir amanhã. Mas é difícil lutar contra ele, sem cair nesse buraco negro, que se alimenta das minhas alegrias e aspirações. E, contudo, não deixo cair uma lágrima. Sou forte e nunca ninguém me verá a chorar.
O senhor dos mortos, meu eterno amante, deixou-me sozinha. Afastou-se de mim, com passos lentos, sem olhar para trás. Nem o guardião do reino da noite conseguiu conviver comigo por muito tempo. Eu apodero-me da tristeza das pessoas, e guardo-a toda para mim e, por isso, tornei-me insuportável.
Eu compreendo-o. Vejo tudo o que existe, e o que não existe. Morro de terror da noite que está a chegar, e mesmo assim espero-a, ansiosamente, para que possa cumprir a missão para a qual fui destacada.
Sou eu, serva da noite.

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