segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A Criada - parte V

Quando comecei a andar normalmente outra vez, ainda que sem fôlego, estava de volta à estrada. Caminhava pela berma, muito pesada e demoradamente, esgotada física e psicologicamente. Era noite cerrada.
Após algumas horas a andar uma claridade enorme reflecte-se na estrada. Olhei para trás e os faróis de um carro inundaram-me e feriram-me de luz.
O carro parou um pouco mais a frente. Eu atravessei para o outro lado da estrada. A porta do carro abriu e de lá saiu o rapaz dos cabelos cinzentos. Ele era impossível. Cada vez me parecia mais lindo. Eu parei de andar e olhei para ele. Ele olhou para mim. Ficamos assim por uma fracção de segundos, mas foi o necessário para eu me apaixonar sem volta a dar. Ele sorriu.
- Precisas de boleia?
Eu dirigi-me ao carro e entrei. Ele entrou no carro e disse-me olá, sorrindo. Eu olhei para ele, séria e não lhe respondi. Ele arrancou. 
Pouco depois perguntou-me para onde eu ia. Eu encolhi os ombros. Ele tornou a sorrir, um sorriso doce:
- Que engraçado, parece que vamos para o mesmo sítio!
Paramos perto de um jardim. Tomámos banho no rio e depois deitamo-nos na relva fresca.
Amanhecera.
Ele perguntou-me:
- Então? Já me podes dizer o teu nome?
Eu não disse nada.
- Bem…Eu chamo-me Jeremias. Sou órfão. Fui adoptado com quinze anos, mas fugi deles. Desde aí tenho vivido naquela mansão abandonada e de vez em quando arranjo algum biscate para me sustentar. Assustei-me um pouco quando te vi lá ontem. Mas depois fiquei preocupado, por isso fui atrás de ti. Sou muito independente, mas um bom rapazinho, não te faço mal, não te preocupes.
Sorriu-me. Eu nada pronunciei.
- Olha… - continuou – Eu não sei nada de ti. Mas já deduzi umas coisas. Vinhas cheia de sangue quando entraste em minha casa… Sim, eu reparei que tinhas entrado. Por isso deduzo que te tenha acontecido alguma coisa de mal… Também vinhas com as roupas brancas do manicómio, por isso concluo que ou te fizeram mal ou tu fizeste mal a alguém e por isso fugiste.
Sobressaltei-me.
- Tem calma. Eu não conto nada a ninguém! – Sorriu – Só quero saber o teu nome…
- O meu nome…? Chamo-me… Vanessa.
- Vanessa? Que nome bonito! E afinal falas!
- É…
Falámos. Falámos do tempo. Falámos da mansão. Falámos da crise e da guerra. Falámos de tudo um pouco, menos de mim e dele. Falámos durante horas, falámos durante dias. Ele trazia-me comida e tudo o que eu precisasse.
Eu gostava dele. Pela primeira vez sabia o que era ser feliz.
Numa noite ele estava a acender a fogueira para cozinharmos qualquer coisa. Estávamos numa floresta qualquer a acampar. Eu pedi-lhe para não irmos para a mansão… Por alguma razão…
Mas faltava lenha. E ele pediu-me para ir arranjar uns paus, mas para não me afastar muito. Eu fui, mas tropecei e caí por uma ribanceira abaixo. Gritei. Ele correu para mim e rebolou pela ribanceira também. Ficamos muito perto um do outro… Ele chegou os seus lábios nos meus e beijamo-nos. Beijamo-nos muito. E depois rimos.
Voltamos para junto da fogueira e deitamo-nos. Ele beijou-me. Tocou-me com as costas gélidas da sua mão na minha face e depois no meu pescoço. Beijou o meu pescoço e depois os meus lábios outra vez. E foi aí que tentou subir a minha camisola. Eu tirei-lhe suavemente a mão de dentro da minha camisola. Ele sorriu, pediu desculpa, e beijou-me.
Então comecei a imaginar todos os que me tinham feito mal. O meu patrão, o meu pai, aquele servente do bar… Eu não conseguia… Sentia-me demasiado suja para o deixar tocar-me.
Comecei a entrar em  pânico e a tentar libertar-me. Mas ele não parava. Ele continuou. Meteu a mão dentro da minha camisola outra vez, mas eu voltei a tira-la. Comecei a tremer de raiva. Porcos. Todos eles a quererem tocar-me. Todos eles a quererem fazer sexo comigo.
Porcos. Porcos. Porcos! Aquele pensamento apoderou-se de todo o meu ser.
Amarrei num dos paus da fogueira e dei uma pancada seca na cabeça dele. O meu amado. Ele olhou para mim, sem reacção. Passou a mão por detrás da cabeça e eu vi-a cheia de sangue. Olhou para ela e depois para mim. Caiu morto, gelado, em cima de mim.
Levantei-me, incrédula. Não podia crer. Eu amo-o. Amava-o. Amo-o!
Deixei cair o pau que tinha usado para matar a única pessoa que eu tinha amado. Sentei-me, agarrada as minhas pernas, a olhar para ele. Horas e horas.
Amanheceu.

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