segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Morte através de uma janela*

Peço desculpa se ferir a susceptibilidade dos meus caros leitores, mas esta história, verídica, começa (e termina) com morte.

Estava a estudar Economia no meu quarto numa segunda à tarde, quando começou a chover lá fora. Que tarde cinzenta e moribunda. Olhei pela janela. Caíam pingos grossos, que inundavam as estradas mal feitas da parte de trás da minha casa, e afastavam os animais do ar livre. “Adoro dormir quando chove assim” – pensei para comigo – “Quero dormir”.

E fui dormir, ainda que só fossem seis da tarde e tivesse teste no dia seguinte. Senti que tinha adormecido em menos de um minuto. Caí na cama, fechei os olhos e senti-me imediatamente projectada para uma realidade completamente diferente. Estava numa cozinha, toda ela de um verde-claro morto, misturado com algum branco sujo. Dei por mim encostada a uma das colunas da cozinha, a olhar pela janela. A luz da lua penetrava pelos vidros e reflectia-se no chão, criando um efeito de nostalgia e melancolia que inundava todo o ambiente. Olhei em volta e vi um cenário degradante. Lembro-me de pensar que odiaria viver lá. A mobília era pouca e toda ela de uma qualidade que deixava muito a desejar. Havia uns armários, um frigorífico velho, um lavatório e uma mesa com uma cadeira. Nada mais.

Olhei pela janela e o que vi deixou-me perplexa. Do meu lado esquerdo havia uma estrada escura com uma ponte. À direita via muitas casas iluminadas, e lá ao fundo a Torre Eiffel. Estava em Paris, França. Sempre quis viver lá. Era uma vista linda, disso não havia dúvida. Olhei para baixo e vi que estava num dos andares mais altos (deduzi eu) de um prédio velho. Vi uma rapariga linda de cabelos pretos e camisola cor-de-rosa a sair de um carro cinzento. Vinha carregada de capas e livros e parecia mesmo atrapalhada. De repente ouvi um assobio. Ela olhou para trás e eu para além e vimos um homem com um ar sombrio, mas com um sorriso lindo. Ela largou os livros e correu para ele, amarrando-se ao seu pescoço e beijando-o na face. Ele encostou a cara ao ombro dela e chorou, com um sorriso estampado na cara. Passado uns segundos tirou um revólver do bolso e deu um tiro na parte detrás da cabeça da rapariga. A pressão foi tanta que a sua cabeça explodiu, qual abóbora.

Dei um grito seco e acordei. Quando acordei estava no meu quarto de novo. Que susto. Contei aos meus pais o sonho que tive, mas eles não ligaram muito. A partir daí comecei a ter sonhos cada vez mais estranhos. Começou-me a acontecer coisas estranhas, que ninguém conseguia controlar; inclusive peguei fogo ao meu quarto. Não entendia porque fazia estas coisas. Simplesmente apagava; e quando voltava a mim já o mal estava feito.

Mandaram-me a psicólogos; de psicólogos passei a psiquiatras. De psiquiatras passei a manicómios. Ninguém entendia o que havia de mal em mim. Nem eu entendia.

Mais tarde, quando os médicos me acharam apta para viver em sociedade “libertaram-me”. Fui retomar os estudos, a ver se acabava a universidade, apesar de já bastante atrasada. Estava a sair do carro, para ir para casa estudar economia (tinha teste no dia seguinte), quando vi o meu irmão. Ele não me tinha dito que vinha, uma surpresa! Que agradável, tendo em conta os últimos anos. Abracei-o com força e chorei no ombro dele. Tinha saudades da minha família, de uma vida saudável. De repente senti algo frio encostado a minha cabeça e ouvi o meu irmão sussurrar-me – “Adeus irmã. Adoro-te, mas não consigo mais.” – e senti uma lágrima gelada dele a cair pelo meu pescoço a baixo. Depois ouvi o barulho de um tiro e caí no chão, imóvel, morta. Mas posso jurar que mesmo a seguir à minha morte fez-se ouvir outro tiro e aí uma escuridão enorme abateu-se sobre mim.

Maria J. Eirinha Vieira

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