Entrei no meu quarto, deixado ao abandono por tantos anos. As cortinas brancas que comprara com a minha ama, pelo meu oitavo aniversário, esvoaçavam ao sabor do vento, enquanto que a luz da Lua pintava o meu dormitório de adolescente em tons de azul...
Era a primeira vez que aqui vinha, após o acidente dos meus pais... Tudo fora deixado ao abandono.
O meu corpo deambulante trouxe-me aqui nesta noite por uma razão: pôr um ponto final no meu problema. Caminho, pé ante pé, pelo caminho mais fácil... A morte.
Na verdade, já morri faz tempo... Este vazio que sinto acorrentou-me a uma vida sem propósito.
Sentei-me num dos cantos do quarto. Afundei a cabeça entre os braços e chorei. Chorei horas a fio. Ao meu lado, as paredes tornaram-se negras, e o chão fugira. Estava a cair num buraco sem fundo. E, por muito que gritasse, do meu corpo não saía nem um só gemido. Era impotente ao meu destino.
Ergui-me por fim, ainda que me faltassem forças. Despi-me lentamente e olhei o meu vestido branco rasgado, que pousei em cima da cama. Retirei cuidadosamente o fio branco que servia para prender a minha roupa e atei-o como um laço ao pescoço. Tomei um banho demorado e sentei-me, enrolada na toalha, em frente à minha mesa de maquilhagem, com um espelho imponente, que pertencia à família por gerações.
Penteei os meus longos cabelos negros e encharcados, com uma escova dourada, que reluzia perante a luz da noite. A minha pele, cor de cal, parecia ainda mais branca com o luar... Sorri. Na verdade, eu já estava morta. Na verdade, este vazio que eu sinto só está à espera que eu o preencha com o meu sangue. Sim, ele deseja o meu néctar. Este vazio anseia pelo meu sangue.
Acalma-te alma impura e cruel, que mais cedo que pensas terás o que precisas...
Um barulho acordou-me dos meus pensamentos e fez-me estremecer. Voltei-me para trás, mas tudo no meu quarto permanecia igualmente vazio e só. Voltei-me de novo.
O meu reflexo abandonou-me nesse momento. Eu estava de frente para o espelho, mas ele continuava como se eu estivesse de costas. Conseguia ver as cicatrizes vermelhas nas minhas costas. Dei um grito, assustada.
Aí, o meu reflexo olhou-me, devagar, com um sorriso estampado na cara e os olhos esbugalhados. Saltou fora do espelho e esganou-me até eu perder os sentidos. Quando voltei a mim ela olhava-me, nua, com um fósforo na mão. Acendeu-o e atirou-o para cima de mim.
Uma dor dilacerante inundou o meu corpo. Fechei os olhos.
Obrigado.
Obrigado.
2º parte
- Já se sabe a quem pertence o corpo?
- Sim... Apesar de muito queimada, conseguimos reconhecer a jovem. É Maria, a filha de um casal que morreu enterrado vivo há uns anos... Tinha problemas mentais. Foi ela quem matou os próprios pais. Estava internada numa clínica psiquiátrica, de onde fugiu na semana passada... Tudo aponta para suicídio.
- Suicídio?
- Sim. Ela deve ter-se banhado em gasolina. Ali à direita tem um quarto de banho, com a banheira cheia de gasolina! E as marcas de estrangulação presentes no pescoço devem-se ao cinto do vestido dela. Depois disso seria fácil atear fogo a si própria... Não compreendo é como só ardeu ela... De resto, tudo está intacto!
- Era uma mente perturbada... Uma história trágica.
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