Estou perdida nos meus pensamentos, afogada pelas minhas mágoas, nos mares da minha tristeza. Sou uma serva da noite. Vivo dentro da minha cabeça, ignorando o mundo real. Estou tão empenhada em reviver as minhas memórias que deixei de conseguir distinguir o presente do passado. Mas não me importo.
Lembro-me de quem eu fui. Uma autêntica rainha do mal. Sentava-me ao lado direito do senhor dos mortos, e com ele dividia o leito negro. Ele apoderava-se do meu corpo, de forma intensa e apaixonada. E, no entanto, os meus olhos pareciam ainda mais mortos que os dele... O seu corpo nu, encostado ao meu, apenas me fazia sentir mais vazia, ainda que os seus braços me envolvessem por inteiro. Mas estava tudo bem, porque somente a ele eu pertencia.
Tenho um vazio do tamanho do mundo na minha alma, talvez o medo do futuro, talvez a ânsia pelo que há de vir amanhã. Mas é difícil lutar contra ele, sem cair nesse buraco negro, que se alimenta das minhas alegrias e aspirações. E, contudo, não deixo cair uma lágrima. Sou forte e nunca ninguém me verá a chorar.
O senhor dos mortos, meu eterno amante, deixou-me sozinha. Afastou-se de mim, com passos lentos, sem olhar para trás. Nem o guardião do reino da noite conseguiu conviver comigo por muito tempo. Eu apodero-me da tristeza das pessoas, e guardo-a toda para mim e, por isso, tornei-me insuportável.
Eu compreendo-o. Vejo tudo o que existe, e o que não existe. Morro de terror da noite que está a chegar, e mesmo assim espero-a, ansiosamente, para que possa cumprir a missão para a qual fui destacada.
Sou eu, serva da noite.
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