Os seus olhos perdidos de dor, naquela cinzenta manhã de Janeiro, caminhavam por uma rua abandonada daquele que tinha sido um dos bairros bem frequentados do Porto, há uns cinquenta anos atrás. Carregava consigo a dor de meio mundo, somente por ser quem é. Nos ombros pesados assentava uma bola pequena, e nela um sorriso falso pendurado, que de quando em vez descaía, mostrando a sua verdadeira face.
Era um monstro.
O coração estava despedaçado e despedaçara outros tantos como ele, e os olhos... Perdidos, (literalmente) não se afeiçoavam nem à mais deslumbrante paisagem.
Estava perdido, não só para si, como para o mundo.
Os pulsos cortados deixavam um rasto de sangue negro, empestado pela negrura da sua alma e, como monstro hediondo que era, deixando um cheiro pútrido a maldade e álcool, por essas vielas desertas.
Não sabia quem tinha sido, ou quem era. Apenas sabia que não pertencia ali. Na verdade não pertencia a lugar nenhum. Os seus olhos procuravam algo ou alguém conhecido. Tinha sido em vão. Todos os quilómetros percorridos, esvaindo-se em sangue, tinham sido em vão.
Estava morto, não só para si, como para o mundo.
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