segunda-feira, 25 de abril de 2011

Judas*


Por falar em Páscoa...

Toda a gente andava atarefada na pequena vila de Sol Poente. Na rua principal víamos carrinhos carregados de ovos da Páscoa, pessoas apressadas com muitos sacos e saquinhos nas mãos, jovens raparigas a pendurar decorações nas árvores e menininhas nos bancos da praça a bordar. Os rapazes pequenos andavam de volta do presidente da junta de freguesia, muito tristonhos, pois não tinham um campo de futebol onde jogar à bola. O grande carro negro do presidente acelerou, deixando uma nuvem de pó no ar. Junto dele iam a mulher e a filha, cheias de sacos também, essas loiras platinadas que passam a vida nos cabeleireiros e nas lojas finas da cidade. Os meninos tossiram com a poeira que se tinha levantado.
Nessa noite seria a queima do Judas. A tão típica queima do judas.
A fogueira estava acesa na praça e as pessoas reuniam-se de volta dela e dançavam ao som da banda da terra. As crianças davam a mão e pulavam. Os rapazes tentavam jogar à bola mas eram fortemente repreendidos pelas mães, que tinham medo que eles estragassem alguma coisa. Do presidente da junta nem sinal. Mas já era comum. Ele nunca aparecia nas festas da vila, a não ser em tempo de campanha. Aí ele ia a todas!
Lá trás, no meio do campo, o boneco, vestido com um fato preto muito bonito. Sim senhor, os organizadores tinham se esforçado muito.
À meia-noite houve muito fogo de artifício, de muitas cores e muito alto. Toda a gente exclamava de espanto. Passados quinze minutos uma voz ecoou no escuro. Um grito de um pequeno rapazinho se ouviu no meio dos foguetes. Toda a vila prostrou os olhos nele, que apontava para judas. De repente o boneco do judas mexeu-se e abriu os olhos. Gritou "soltem-me seus idiotas! Já!". Era o presidente da junta. A primeira bomba explodiu e saltaram pedaços de carne pelo ar. As pessoas começaram a correr. "Judas" ficou a arder no meio dos campos na praça principal. Apenas o rapazinho tinha permanecido lá. De repente o seu lábio superior começou a erguer-se. Inclinou um pouco a cabeça e esboçou um sorriso maldoso. Depois, como quem se lembra de algo muito importante, deu um pequeno salto. Correu para de trás de um banco e tirou de lá uma bola de futebol e começou a pontapear-la, pela noite adentro. Ouvia-se os seus risos, risos de criança inocente com um amor.
"Judas" continuava a arder.

Sem comentários:

Enviar um comentário